STJ derruba o rateio da taxa de condomínio pela fração ideal

Milhares de condomínios serão motivados a revisar a convenção para evitar processos judiciais movidos por coberturas e apartamentos térreos. Pela primeira vez, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou um Recurso Especial que trata do costume de os condomínios cobrarem a taxa de condomínio de unidades maiores (apartamentos térreo e de cobertura) com base na fração ideal, que muitas vezes onera o proprietário ao pagamento a mais de 50% a 200% do valor que é pago pelos apartamentos tipo.

Ao julgar o recurso especial (1.104.352–MG (2008/0256572-9), o STJ determinou que o condomínio devolvesse tudo que cobrou a mais do apartamento maior, que pagava 131% a mais do valor da taxa de condomínio que era pago pelos apartamentos tipo.

O condomínio tinha aprovado na assembleia a cobrança da taxa pela fração ideal a partir de maio de 2003. Agora, diante da decisão do ministro Marco Buzzi, que confirmou acórdão unânime dos desembargadores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (Sebastião Pereira de Souza, Otávio Portes e Nicolau Masselli), deverá pagar, ao dono da unidade maior, tudo que cobrou a mais, corrigido (INPC/IBGE) a partir de 16/11/2004, data em que este colunista, como advogado do proprietário, propôs a Ação Declaratória que anulou a cobrança pela fração ideal e determinou o pagamento igualitário entre todos os apartamentos. Tendo em vista que o apartamento maior possui um grande jardim, foi aceita pelo Poder Judiciário a nossa proposta de pagar somente o acréscimo de 20% sobre a sua cota parte do consumo de água, ou seja, enquanto os apartamentos tipo pagam, por exemplo, R$ 50,00 de água, o apartamento que tem fração ideal 131% maior pagará R$ 60,00.

A decisão do STJ, a mais alta corte do país para julgar este tipo de ação, confirmou o acórdão do TJMG no sentido de que o uso da fração ideal acarreta enriquecimento ilícito dos proprietários das unidades menores quando estes pagam a menos por serviços que são utilizados igualmente por todas as unidades, independentemente do tamanho.

O TJMG e o STJ constataram que apesar do § 1º do artigo 12 da Lei nº 4.591/64 e o inciso I, do art. 1.336 do Código Civil citar como regra o rateio de despesas pela fração ideal, o fato destes artigos estipularem “salvo disposição em contrário na convenção”, deixa claro que o legislador estabeleceu essa exceção para que fosse dada a liberdade da assembleia geral adotar outro critério que seja justo, que busque cobrar de cada unidade o que realmente utiliza e se beneficia dos serviços que são prestados nas áreas comuns, baseado no “princípio do uso e gozo efetivo dos benefícios ofertados com a despesa”. A perícia judicial apurou que o apartamento maior gasta o mesmo que os apartamentos tipo, pois as despesas que geram o rateio de despesas decorrem do uso das áreas comuns (portaria, escadas, elevador, energia elétrica, empregados, faxina, etc) que são utilizados igualmente, independentemente do tamanho interno dos apartamentos.

Na decisão judicial, foi repudiado o argumento do condomínio de que o fato de o apartamento maior pagar o mesmo valor que as unidades menores geraria enriquecimento ilícito do autor/proprietário que tem maior fração ideal, tendo o STJ dito: “O Tribunal de origem fundou seu convencimento na impossibilidade de enriquecimento ilícito – art. 884 do Código Civil – uma vez que a área maior do apartamento do autor da ação não onera os demais condôminos.

No caso dos autos, a soberania da assembleia geral não autoriza que se locupletem os demais apartamentos pelo simples e singelo fato de o apartamento do autor possuir uma área maior, já que tal fato, por si só, não aumenta a despesa do condomínio, não confere ao proprietário maior benefício do que os demais e, finalmente, a área maior não prejudica os demais condôminos. Essa prova foi produzida pelo apelante na perícia.”

Há muitos anos os tribunais estaduais e o STJ já tinham se posicionado contra a cobrança pela fração ideal de prédios compostos por lojas e salas, pois são várias as decisões judiciais que determinam a isenção do pagamento de porteiros, elevadores e demais itens que não são utilizados pela loja quando esta tem entrada independente da torre que oferece serviços apenas às salas.

Agora, como presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG, me sinto realizado ao ver consagrada a tese que criei há 18 anos, apesar de ter demorado dez anos para que o STJ confirmasse meus argumentos de que a fração ideal destina-se basicamente como parâmetro para cobrar as despesas de construção de unidades vendidas na planta, o que resulta no pagamento do preço mais elevado pela compra do imóvel que tem maior dimensão. Diante da lógica matemática, o STJ decidiu que quando o prédio possui unidades de tamanhos diferentes torna-se inviável a cobrança pela fração ideal por gerar enriquecimento ilícito dos proprietários das unidades menores, que é repudiado pelo artigo 884 do CC.

O STJ deixou claro que a liberdade de elaborar uma convenção de condomínio, exige que os condôminos dos apartamentos menores/tipo tenham boa fé, que se abstenham de se aproveitar do fato de ser maioria para votar com o quórum de 2/3 do prédio e aprove uma regra de rateio que acarrete a penalização da unidade maior, a ponto de desvalorizá-la para venda ou locação, em decorrência da cobrança de uma taxa de condomínio que, no presente caso, era 131% maior.




Muitos defendem a aplicação da fração ideal como critério de divisão do rateio de despesas de taxa de condomínio de unidades diferentes, ou seja, constituído de apartamentos tipo e de cobertura ou nos prédios comerciais compostos por salas e lojas no térreo, apesar de não saberem a origem de sua criação, como ela é calculada e para que serve. Esse problema é mais grave nos edifícios comerciais, onde, às vezes, as lojas pagam mais que as salas por serviços que somente estas últimas utilizam. Diante de argumentações superficiais e confusas daqueles que defendem o rateio pela fração ideal, fica evidente que essas pessoas não leram o Livro “Condomínio e Incorporações”, de autoria do jurista Caio Mário da Silva Pereira, que criou em 1964 a Lei nº 4.591, onde expõe os desafios em definir o que seria “fração ideal”.

Chega a ser cômico o relato do Civilista Caio Mário na pág.99, onde cita que os juristas europeus, há séculos, defendiam que a fração ideal seria maior para as unidades que tivessem mais janelas, que fossem mais altas (só havia prédio com até 4 andares) e, que as unidades menos ensolaradas, sem reformas ou de fundos teriam fração ideal menor.

Há 47 anos, de forma brilhante, Caio Mário criou a regra da fração no art. 12 da lei nº 4.591/64, que até hoje consiste na mais avançada lei do mundo na área condominial, a qual possibilitou a divisão das despesas da construção nas incorporações, onde, logicamente, a unidade maior paga mais que a menor pela sua construção.

A razão da criação da fração ideal tem como finalidade básica propiciar ao adquirente do imóvel que ainda não existe, saber exatamente quantum pagará pelo custo de sua unidade, conforme o seu tamanho. Trata-se de aquisição de propriedade. Essa regra não tem nenhuma ligação quando se trata de rateio de despesas da taxa de condomínio, previsto no art. 24, que diz respeito às áreas comuns (portaria, áreas de lazer, garagem, corredores, telhado, faxina, zelador), pois estas são utilizadas igualmente por todas as unidades, independente de seu tamanho.

Refletir para entender
Mudar conceitos não é fácil, pois exige mente aberta, vontade de aprender (o que dá muito trabalho e exige capacidade) e disposição em trocar ideias sem preconceitos.

A cobertura e o apartamento com área privativa custam mais que o apartamento tipo, então pagam a mais IPTU, bem como ITBI no ato da transferência da propriedade. A mesma regra ocorre com lojas no térreo onde a torre é composta por salas, havendo dezenas de acórdãos que isentam as lojas de pagar despesas (portaria, elevadores, limpeza, etc) que são geradas apenas pelas salas. Da mesma forma, um automóvel Gol custa metade do valor de um Chevrolet Cruze, sendo pago 4% do preço do carro referente ao IPVA. Entretanto, ao abastecer, cada proprietário paga o mesmo valor pela gasolina e pelo óleo. Ao trafegar na estrada (semelhante à portaria, corredores do prédio), pagam o mesmo valor pelo pedágio, bem como a hora de estacionamento, pois são automóveis, apesar de padrões diferentes têm a mesma destinação, a mesma capacidade de carga, da mesma forma que os apartamentos, que apesar de diferentes, têm a mesma finalidade residencial. Absurda é a alegação do defensor da fração ideal no rateio de despesas de manutenção, que diz que o apartamento de cobertura/área privativa comporta mais pessoas, como se esta unidade se prestasse a uma pensão, pois a própria convenção prevê seu uso somente unifamiliar. Pesquisas do setor imobiliário comprovam ser comum o apartamento de cobertura ter menos moradores (média de 3) do que os apartamentos tipo que são ocupados por 4 pessoas em média, pois são ocupados por casais mais jovens com filhos menores.

O defensor da fração ideal utiliza o argumento de que a cobertura deve pagar mais pelo uso do elevador, ignorando a lei municipal que obriga a instalação deste equipamento que valoriza todo o prédio, caso neste ocorra um desnível de mais de 11 metros de altura entre a unidade e a portaria, como por exemplo, em Belo Horizonte-MG. Logicamente, a maioria dos prédios não possui apartamento de cobertura, mas ninguém comete a insensatez de aumentar o valor da taxa de condomínio conforme o andar do apartamento, o que prova que o rateio igualitário é mais sensato. A cobrança a maior de qualquer taxa somente se justifica sobre a despesa e somente se esta efetivamente for gerada em excesso por determinada unidade.

O autor Caio Mário da Silva Pereira, na obra “Condomínio e Incorporações” tece comentários que evidenciam a complexidade do rateio e que exige um estudo profundo para entender que a fração ideal pode gerar divisões injustas no caso do rateio de despesas de conservação e manutenção, razão que motivou o legislador a criar o artigo 24, que deixa evidente que ao artigo 12 da Lei nº 4.591/64 destina-se ao rateio do custo da obra, conforme texto a seguir transcrito:

A situação relativamente ao logradouro público influi sobremaneira, dizendo-se “apartamento da frente” o que tem serventia sobre rua ou praça e “apartamento dos fundos” o que a tem sobre pátio ou área interna e, naturalmente, os primeiros valem mais do que os segundos.
O andar em que se situa é outro elemento importante na composição do preço, costumando-se emprestar maior valor aos andares mais altos do que aos mais próximos do chão, pelo incômodo maior que estes sofrem. Mas, nos prédios não servidos de elevadores a mesma regra se não aplica, porque os mais altos obrigam a galgar as escadas.
Outros fatores secundários são igualmente levados em conta: dar para outro terraço comum; existir ou estar projetada obra pública que melhore a situação do apartamento; não haver certas janelas, portas, vãos ou varandas; a melhor ou pior serventia de luz; a qualidade dos materiais empregados etc.
Fréderic Aéby manda levar em consideração a área, a disposição das peças em relação ao conjunto, a orientação, a altura etc., para a fixação do valor originário
Poirier apresenta um esquema de divisão de valores em que o rés-do-chão e o andar imediatamente superior representam cada um 25% do valor do edifício; os dois andares seguintes 20% cada, a divisão é, usualmente, mais complicada.
Frédéric Denis esquematiza os direitos sobre a propriedade indivisa, assim como a proporção na partilha dos encargos comuns, atribuindo ao rés-do-chão, zero; primeiro andar, 100 por mil; segundo andar, 120 mil; terceiro 145 por mil; quarto 175 por mil; quinto 210 por mil; e sexto 250 por mil.
Entre nós, tanto o critério do escritor belga como o do francês são inaceitáveis (PEREIRA, 1999: 98-99).

Até os legisladores do Código Civil de 2002 cometeram dois erros graves ao definirem no parágrafo 3º do art. 1.331 que “a fração ideal no solo e nas outras partes comuns é proporcional ao valor da unidade imobiliária” e que o rateio somente poderia ser pela fração ideal no inciso I, do art. 1.336. Diante dos equívocos e da insensatez, ao perceberem que esses dispositivos ferem a lógica da fração ideal que se baseia na área construída, conforme ABNT, em 2004, a Lei nº 10.931, deu nova redação aos referidos dispositivos. Assim, eliminou o vínculo da fração ideal com o valor do imóvel e inseriu no inciso I, que trouxe a frase “salvo disposição ao contrário” para confirmar que o rateio pela fração ideal deve ser evitado em determinados casos, para não afrontar os artigos 884 e 2.035 do CC.

Segundas intenções

Como advogado especializado em direito imobiliário, ao ser contratado para participar de assembleias, surpreendo-me ao presenciar proprietários, que se transformam em “legisladores”, pois criam “leis” para justificar seus propósitos, às vezes, inconfessáveis. E, o pior, há pessoas presentes, que imbuídas pela boa-fé acabam acreditando no “saque”, outras fingem que está certo o falso argumento, pois lhe convém manter a situação injusta e irracional, que penaliza o dono da unidade que é maior. Há, ainda aquelas nada dizem para não melindrar e evitar conflitos com o vizinho “inventor de leis” que se mostra o “senhor de tudo e de todos” e que, geralmente, é agressivo e não gosta de quem reside numa unidade melhor do que a dele.

Diante desse cenário é compreensível a enorme dificuldade dos proprietários de cobertura, de áreas privativas ou de lojas, que são minoria, fracassarem na tentativa de sensibilizar a enorme maioria representada pelos apartamentos tipo ou salas em alterar a cláusula da convenção que determina o rateio pela fração ideal, que resulta em taxas com valores abusivos, que geram expressiva desvalorização das unidades maiores.

Diante dos princípios gerais consagrados pela Constituição Federativa e pelo Código Civil de proibir a contratação de forma lesiva, com base no parágrafo único do art. 2035 do CC que determina “Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”, não há como essa cláusula de um contrato consagrar uma lesão, configurada pelo enriquecimento ilícito (art. 884 CC) facilmente provado por uma perícia realizada por um engenheiro.

Felizmente, os magistrados com base numa reflexão mais profunda sobre a matéria, bem como numa perícia que confirma que todas as unidades gastam igualmente ou que é impossível afirmar que as unidades maiores utilizem ou consumam mais que as demais unidades, têm anulado o rateio pela fração ideal que acarreta enriquecimento ilícito.

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2 Comentários

  1. SOU A FAVOR DE DIVIDIR AS DESPESAS POR UM TODO,NÃO UTILIZO NADA MAIS DO QUE OS DEMAIS .

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  2. Quem é o autor do texto...muito bom??

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